BBB12 e o estupro ao vivo na TV
(Agência Patrícia Galvão)
A
decisão da TV Globo de expulsar do reality show o participante Daniel
sob suspeita de ter abusado sexualmente da colega Monique, após a
polêmica sobre estupro haver explodido nas redes sociais, é muito clara:
a emissora reagiu em função da repercussão negativa e não em razão do
estupro transmitido ao vivo via satélite. Não interessa à TV e nem à
lógica do Big Brother Brasil um debate sobre ética no programa ou na TV.
Boninho,
diretor do BBB, em um primeiro momento argumentou que “Daniel era
vítima de racismo”, provavelmente em uma tentativa de duplicação do
debate: estupro ou racismo? Após a intervenção da Polícia, que ameaçou
tirar o programa do ar, Boninho mudou de estrategia e afirmou que Daniel
"passou dos limites".
O
apresentador Pedro Bial foi lacônico ao anunciar a expulsão do
participante. Aliás, no episódio do BBB que alcançou o maior índice de
audiência até hoje, Bial - por explícita conveniência - não detalhou
para os telespectadores - e ao que tudo indica nem mesmo aos outros
participantes - qual foi o motivo da eliminação de Daniel. Ao anunciar
sua saída, alegou somente que Daniel havia "infringido as regras do
programa".
Passaram
do limite a Rede Globo, Boninho e o participante Daniel. Infringiram a
regra da ética. O diretor e a produção do BBB foram omissos, assistiram
de camarote, na madrugada de sábado para domingo, ao desenrolar do que
tudo indica ter sido um estupro transmitido ao vivo pela TV brasileira.
Poderiam ter agido e impedido o suposto crime. Mas aquilo tudo – o
estupro e a transmissão ao vivo aos espectadores pagantes - fazia parte
da festa, do show. Tudo leva a crer que apostaram no escândalo, na
polêmica, na dúvida sobre o caráter de Daniel, mas também de Monique.
Apostaram que surgiriam os argumentos preconceituosos comuns nes
se tipo de caso: "ela deu mole, facilitou, provocou". Afinal, os
participantes sabem os riscos que correm pelo fato de o programa ser
transmitido ao vivo.
A
TV Globo parece ter entendido rapidamente os riscos que corre. A
denúncia sobre o possível estupro explodiu primeiro nas redes sociais,
pautando sites de notícias e blogs, que passaram a indicar links para o YouTube: estupro no BBB12. Em pouco tempo, o caso tornou-se o tema mais comentado na internet.
E o que era para ser uma festa no BBB e mais um escândalo de audiência saiu do controle. A edição do BBB de 2012 tem
cinco patrocinadores - AmBev (Guaraná Antarctica), Fiat, Niely,
Schincariol (Devassa) e Unilever (Omo) – que, segundo informações da
imprensa, desembolsaram R$ 20,6 milhões cada um para terem suas marcas
no programa, totalizando R$ 103 milhões. Sabe-se que a discussão sobre
limites éticos e legais na produção de conteúdo e patrocínio de
programas é uma questão que causa verdadeiro pânico na TV.
Pois
esse episódio aponta para duas tendências do público: a primeira
evidencia que o telespectador passou, com as tecnologias de comunicação,
a ver TV e emitir sua opinião a partir de seu próprio juízo; a segunda
tendência revela que a sociedade já identifica com mais clareza
situações de violência contra a mulher e que a violação do corpo e da
intimidade de uma mulher já é debatida como questão de direito e
justiça.
São
sinais claros de avanços na agenda de debates e da participação da
cidadania. Falta agora que os veículos de mídia também aceitem
participar desse debate sobre os limites éticos e legais de seus
conteúdos e estratégias para conquistar audiências. Também faltam
posições inequívocas das instituições democráticas do país sobre as
consequências previstas para esse tipo de atitude de emissoras de TV,
para que possam ser responsabilizadas editorialmente sobre os conteúdos
transmitidos.
Jacira Vieira de Melo - Graduada em Filosofia pela Universidade de São Paulo, mestre em Ciências da Comunicação na Escola de Comunicações e Artes da USP e especialista em Comunicação Social e Política na perspectiva de gênero e raça. É diretora executiva do Instituto Patrícia Galvão – Mídia e Direitos.
(11) 3262.2452 / 7618.9731 - jaciramelo@uol.com.br Este endereço de e-mail está protegido contra spambots. Você deve habilitar o JavaScript para visualizá-lo.
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