janeiro 06, 2019

CARTA ABERTA A DAMARES ALVES, EXCELENTÍSSIMA MINISTRA DA MULHER, FAMÍLIA E DIREITOS HUMANOS

        Senhora Ministra, ontem eu também fiz brincadeiras em decorrência do seu polêmico vídeo. Brincadeiras e deboches também são formas de resistência. Sua postura e suas falas, entretanto, exigem uma análise séria e demandam respostas.
        Há tempo observo seus vídeos que circulam na Internet e, como professora, sinto-me profundamente ofendida e humilhada. Venho percebendo seu empenho em colocar a sociedade contra a educação brasileira e seu magistério. Para ilustrar o que afirmo, além dos links de dois vídeos que seguem abaixo deste texto, vou citar algumas das suas afirmações que me têm deixado triste e profundamente revoltada. Sobre o famoso “Kit Gay”, Senhora Ministra, que jamais existiu e a senhora sabe disso, tratava-se na verdade, do “Projeto escola sem homofobia”, que seria voltado para os professores, não para os alunos. Nesse projeto, sequer havia o livro “Aparelho sexual e Cia”. Projeto esse que foi vetado pelo governo federal em 2011, devido ao fato de ter sido alvo de críticas dos setores conservadores, os quais a senhora faz parte. Aproveito para alertar que muitas das escolas brasileiras, sequer possuem biblioteca, a minha é uma delas. O que temos, no momento, é uma Kombi doada pela comunidade escolar e transformada em biblioteca através de um projeto meu.
        Frequentemente a senhora usa suas falas, nos púlpitos das suas igrejas, para denegrir o trabalho dos professores e para nos colocar como responsáveis pelos problemas de uma geração, inclusive nos ataca como agentes de “perversão” e “doutrinação”.
        Em um dos seus vídeos, a senhora menciona um material que supostamente faria apologia ao sexo com animais. Senhora Ministra, talvez a senhora não conheça muito bem a regulamentação do exercício do magistério. Nós, professores, somos fiscalizados pelos nossos superiores: coordenação, direção e secretarias de educação. Os materiais que utilizamos, os livros escolhidos e até mesmo as nossas provas, são analisadas e aprovadas pelas instâncias superiores antes que cheguem aos os alunos.    
        Nesses vídeos a senhora também se refere a um “suposto projeto” de 2004 e com tom irônico, a senhora fala: “Não posso falar o nome da prefeita, não posso falar que ela é do PT e também não posso falar que foi esposa do Suplicy, mas juntamente com o grupo GTPOS, ela gastou mais de dois milhões de reais num programa”. Programa esse, ao qual a senhora afirma ter sido atribuída a função de promover, nas creches, o incentivo a ereção e masturbação de bebês de sete meses. Com essa sua fala, a senhora coloca os pedagogos e pedagogas que trabalham com a educação infantil na condição de criminosos, mais do que isso, na condição de doentes pervertidos. Meus colegas pedagogos, senhora ministra, que tão atenciosamente cuidam das nossas crianças e neste momento abro um parêntese para lembrar a heroica professora Helley Abreu Batista que morreu, com 90% do corpo queimado, após retirar seus alunos de um salão em chamas e de lutar contra o vigilante que ateou fogo à creche, em Janaúba, norte de Minas Gerais, em 2017. Meus colegas pedagogos, senhora ministra, jamais cometeriam esse crime, nem mesmo sob tortura.
          A senhora, nos seus ataques, sempre focou a educação e o magistério brasileiro, esse foco não é inocente, é estratégico. Desmoralizar, humilhar, deslegitimar e demonizar os professores, colocar a sociedade contra nós e contra a educação, só nos enfraquece ainda mais. Como se já não bastassem nossos baixos salários, a falta de condições estruturais, a ausência e a falta de incentivo a bons cursos de formação continuada. Como se já não bastasse o desrespeito e a violência com que somos tratados em nossos atos de protesto, paralização e greve, enquanto políticos protegidos e aquartelados, debocham das humilhações das quais somos vítimas. Ao nos enfraquecer, a senhora enfraquece a educação e isso lhe é extremamente útil e providencial. Um povo sem acesso à educação de qualidade é muito mais fácil de “doutrinar”, de transformar em “ovelhas”, em “inocentes úteis” e nós sabemos muito bem onde, verdadeiramente, vem ocorrendo a “doutrinação” no Brasil e sob que circunstâncias e métodos.
        Vou falar brevemente, Senhora Ministra, sobre o que fazem os professores para muito além das suas atribuições. Somos nós que, na maioria das vezes, descobrimos quando um aluno possui deficiência visual, porque na sala de aula temos parâmetros de comparação. O aluno está sentado na mesma distância do quadro em que estão seus colegas, mas franze a testa, comprime os olhos. Somos nós que chamamos os pais e alertamos.
         Muitas vezes, Senhora Ministra, somos nós que percebemos um problema mais grave. Nossos olhos treinados e experientes conseguem detectar o aluno ou aluna que se isola, nega-se a realizar trabalho em grupo, não participa do recreio, tende a ficar no mesmo lugar e realizar movimentos repetitivos com o corpo. Somos nós que alertamos os pais e depois da avaliação médica, enquanto a família vive o luto de um diagnóstico de autismo, por exemplo, nós professores seguimos trabalhando métodos e estratégias para incluir esse aluno da melhor forma possível.

         Somos nós, Senhora Ministra, que muitas vezes percebemos a automutilação em alguns alunos e ela não se deve ao nosso trabalho de “doutrinação” como a senhora tenta afirmar, ao dizer que confundimos nossas crianças com a “ideologia de gênero”. Os adolescentes que chegaram até mim com automutilação, viviam um cotidiano familiar desestruturado. Desestruturado no seio da “família tradicional” que a senhora tanto defende. O que a senhora propaga e demoniza como sendo “ideologia de gênero”, na realidade do chão da sala de aula, Senhora Ministra, é a exigência do respeito, é o cuidado para com todos os alunos, é a luta contra o bullyng que pode destruir emocionalmente um aluno e até levá-lo ao suicídio, é a educação contra a cultura do estupro e do machismo. Nós enfrentamos salas de aulas superlotadas, lidamos com as particularidades de cada aluno e incentivamos o respeito para com todos, sem o qual, não seria possível ministrar uma aula.
        Somos nós, Senhora Ministra, que percebemos pela postura corporal, pelo silêncio, pelo olhar triste de quem suplica por socorro, quando uma criança ou adolescente é vítima de violência sexual, violência essa, normalmente sofrida no seio da “família tradicional”. Somos nós, Senhora Ministra, que conversamos com essa criança, que ouvimos o relato do seu sofrimento, que tomamos as providências, que chamamos o conselho tutelar e somos nós que acompanharemos essa criança ou adolescente com atenção e cuidado redobrados.
        Finalmente, Senhora Ministra, são inúmeras as nossas atribuições, as quais nos entregamos com amor e seriedade, respeito para com nosso diploma, para com nosso juramento e para com a instrução conquistada através da disciplina, do estudo e da leitura que, certamente, não foi adquirida no espaço do whatsapp.
        Somos nós, professores, que olhamos, cuidamos, educamos, instruímos e ensinamos as crianças e jovens deste país. Somos nós que protegemos essas crianças e jovens quando a família falha e quando o Estado falha.
        Esta minha carta aberta tem dois objetivos: pedir-lhe mais respeito para com a classe do magistério. Venho também, oferecer-lhe um conselho, desça dos seus delírios fakes, Senhora Ministra, pise no chão e encare a realidade. Porte-se com a seriedade que a importância do seu cargo exige. Deixe assuntos fúteis como cor de roupa adequada para seus colóquios no púlpito da igreja, No exercício da sua atual função como ministra, olhe para o magistério brasileiro com olhos da verdade. Olhe pelos quase seis milhões de crianças sem o nome do pai nos seu registro. Encare a quinta maior taxa de feminicídio no mundo e que vem aumentando assustadoramente, alimentada pela cultura do machismo e da violência. Olhe para os milhões de mulheres que, longe da família tradicional, criam seus filhos sozinhas e com dignidade. Olhe para as crianças e jovens que estão nas ruas, Senhora Ministra. Lembre-se que essas crianças não se perdem na rua, foram perdidas dentro de casa, no seio das famílias tradicionais ou não e negligenciadas pelo Estado, as ruas apenas as adotam. Olhe para os LGBTs e às violências que têm sido vítimas. O Brasil é o país quem mais mata LGBTs no mundo e temos visto esse número aumentar, incentivado pela cultura da intolerância.
        A senhora deve estar se perguntando: “Quem é essa professorinha petulante que me escreve essa carta aberta?” Vou facilitar para a senhora, vou me apresentar. Sou Marcia Friggi, poeta e professora de Língua Portuguesa e Literatura do Estado de Santa Catarina. Exerço meu cargo após ter sido aprovada em concurso público, submetida a rigorosos exames médicos periciais, além de ter passado pelos três anos de estágio probatório. Sou aquela professora que foi violentamente agredida por um aluno em 2017, caso que teve repercussão nacional e internacional. Sou a professora que, após violência física, sofreu linchamento virtual por parte dos que comungam das suas ideias. A professora que teve sua imagem com o rosto ensanguentado, usada sem autorização, pelos mesmos que me atacaram virtualmente, para promover a campanha política eleitoral do seu candidato.
         Naquele período, visitei o inferno e sobrevivi. Sobrevivi à depressão, à fobia social, a crises de ansiedade, à insônia e à vontade de morrer. A tudo isso, talvez se deva a minha ausência de medo. Eu não tenho medo porque sou uma sobrevivente, porque na minha casa não há uma agulha sequer que não tenha sido comprada com o suor do trabalho honesto. Não tenho medo porque não ocupo e nunca ocupei cargo comissionado. Não tenho medo porque nunca dependi de favores políticos. Não tenho medo porque pelas minhas mãos jamais passou dinheiro público. Finalmente, Senhora Ministra, não tenho medo porque se ao seu lado está o governo atual e suas “ovelhas”, do meu está o mundo. Do meu lado está um mundo inteiro que não aceita mais retrocesso. Um mundo que deseja respeito para com todas as pessoas. Um mundo que não aceita mais discriminação, intolerância, preconceito, machismo, homofobia, xenofobia. Um mundo que deseja que uma mulher possa terminar uma relacionamento sem ser agredida ou morta. Um mundo que respeita a vida e a natureza. Um mundo que se pretende mais humano, justo e igualitário. Não tenho medo, Senhora Ministra, porque minha militância pelas causas que considero justas sempre foram exercidas nas ruas e no espaço virtual, nunca na sala de aula. Não tenho medo, Senhora Ministra, porque sou adepta da paz e minha única arma é a palavra e é dela que venho me utilizando como um instrumento de amor à vida, à liberdade, à arte e à resistência. Já participei de algumas coletâneas como escritora, minha última participação foi no “Mulherio das Letras”, o que muito me honra. Neste ano de 2019, lançarei meu primeiro livro de poesia, no qual estão muitos dos meus poemas de cunho social e resistência. Está também, entre meus projetos mais importantes, o livro sobre “denúncia dos flagelos que sofre o magistério brasileiro”, o qual percebo de suma importância, considerando os constantes ataques e humilhações a que somos submetidos.
Ainda nos veremos, Senhora Ministra, nas batalhas pacíficas da vida, das quais eu jamais fugi.

Post Scriptum
Desisti de colocar os links aqui, pois os vídeos vêm junto. Eles estão no YouTube

agosto 27, 2018

Leia artigo publicado em revista da ECA/USP que faz referência ao trabalho das Mulheres na Comunicação

Revista ALTERJOR


Grupo de Estudos Alterjor: Jornalismo Popular e Alternativo (ECA-USP)

Ano 02– Volume 01 Edição 03 – Janeiro-Junho de 2011

Avenida Professor Lúcio Martins Rodrigues, 443, Cidade Universitária, São Paulo, CEP: 05508-900

VIDAS, VOZES E PALAVRAS DE MULHERES NO RÁDIO

SIM, ELAS PODEM...

Maria Inês Amarante1

RESUMO: Neste momento em que se intensificam os debates sobre a democracia da

comunicação em vários cantos do país, mulheres constroem uma nova história do rádio,

atuando em redes e junto à suas comunidades. Este trabalho pretende mostrar três

experiências radiofônicas femininas: a dos programas Palavra de Mulher e Voz da

Mulher, da Rádio Educadora e Rádio Difusora de Goiânia, no Estado de Goiás; e o Vida

de Mulher, da Rádio Comunitária Independência, no interior do Ceará. Fruto de

iniciativas de coletivos de mulheres, eles dão visibilidade aos movimentos sociais dos

quais elas participam, promovendo debates de cunho social, cultural, político e

econômico e priorizando questões de gênero e cidadania feminina. Estas comunicadoras

guerreiras - empenhadas na causa das mulheres e no direito à comunicação -, estão

enredadas através da Rede de Mulheres da AMARC e da Rede de Mulheres em

Comunicação, onde trocam suas experiências, saberes e materiais que servem de

incentivo a outras mulheres. Este trabalho tem como base os relatos das protagonistas,

documentos e bibliografia sobre comunicação alternativa e comunitária.

PALAVRAS-CHAVE: rádio comunitária; comunicação; mulheres; gênero;

cidadania.

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Doutora em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP.

Revista ALTERJOR

Grupo de Estudos Alterjor: Jornalismo Popular e Alternativo (ECA-USP)

Ano 02– Volume 01 Edição 03 – Janeiro-Junho de 2011

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1. Introdução

A história do rádio no Brasil é marcada pela dicotomia entre concessões públicas

para o seu funcionamento e o interesse do público receptor, as políticas governamentais

privilegiando, sobretudo, interesses privados em detrimento dos anseios da sociedade

civil.

Conforme levantamento feito por Caldas2, nove famílias detém verdadeiros

oligopólios dos meios de comunicação eletrônica3, dos quais participam 271 políticos

que se associam ou dirigem 324 veículos, entre senadores, deputados, governadores,

prefeitos ou vereadores que possuem outorgas de rádios e televisão4 - o que vem de

encontro à Constituição Federal. Além de utilizarem estas mídias como palco para suas

campanhas políticas, obtém grandes lucros com a publicidade que divulgam; entre um

anúncio e outro o público é visto como um mero consumidor.

Dessa maneira, o rádio, cujo objetivo primeiro foi a causa educativa – tão cara a

Roquete Pinto, um de seus mais ilustres iniciadores -, transformou-se em “popular”,

voltado ao lazer e à diversão como lembra Gisela Ortriwano5, usando de seu potencial

para conquistar novos mercados.

Ao invés de oferecer uma programação informativa, educativa e cultural à

população, a mídia divulga sobretudo o entretenimento e o conteúdo padronizado. E,

como observa Amarante6 é justamente através dela que a grande parte dos receptores se

2 CALDAS, Maria das Graças Conde. Democratização na radiodifusão: da utopia à esperança com o

compromisso público do PT, 2005.

3 A família Marinho (Rede Globo), detém 17 concessões de televisão e 20 de rádio; a família Sirosttsky

(RBS), possui 14 emissoras de TV e 21 de rádio; a família Abravanel (SBT – grupo Silvio Santos), 9

emissoras de TV; a família Câmara (Grupo Câmara) detém 7 concessões de TV e 13 de rádio; a família

Bloch (Grupo Manchete), detinha 5 concessões de TV e 6 de rádio, agora nas mãos da Rede TV; a família

Daou (TV Amazonas), é proprietária de 5 canais de TV e 4 de rádio; a família Zahran (Grupo Zahran)

conta com 4 canais de TV e 2 de rádio; a família Jereissati (Grupo Verdes Mares), do Ceará, é

proprietária de uma emissora de TV e 5 de rádio e o Grupo Condomínio Associados, por sua vez, detém 3

concessões de TV e 9 de rádio.

4 Dados fornecidos pelo site www.donosdamidia.com.br, relativo aos mandatos até 2009.

5 ORTRIWANO, Gisela Swetlana. A Informação no rádio: os grupos de poder e a determinação dos

conteúdos, 1985, p. 15.

6 AMARANTE, Maria Inês. Rádio comunitária na escola: protagonismo adolescente e dramaturgia na

comunicação educativa, 2004, p. 40.

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informa, pois devido à condição socioeconômica e cultural, quase não lêem revistas,

jornais ou livros. Com a intenção de aumentar sua audiência, a mídia comercial vem se

apropriando da temática e da linguagem populares.

Ortriwano também ressalta que os grupos de capital privado que recebem licença

concessionária do Estado não levam em conta a “responsabilidade social” que deveria

nortear estas concessões7. Longe do poder de decisão sobre as pautas midiáticas

cotidianas, a população não conta com meios para avaliar a qualidade da programação

que recebe ou suas conseqüências. No processo de publicização da vida privada que

promove, a mídia privada pouco ou nada tem feito para valorizar as mulheres e suas

lutas. Ao contrário: explora seus corpos e as apresenta como objetos de consumo.

Apesar de pouco considerada, a ocupação do espaço público radiofônico pela

sociedade civil, e que permite efetivamente uma intervenção em larga escala nos

conteúdos veiculados, é garantida por lei desde 19988. Mas as rádios alternativas e

comunitárias que começaram a penetrar nesse espaço hegemônico a partir dos anos

1970, encontram até hoje entraves para se transformar em um carro-chefe de

convivência e desenvolvimento. Há que se pensar nos meios para legitimá-las e garantir

a freqüência e a qualidade de suas programações - feitas geralmente por voluntários –

para que envolvam plenamente a população.

Estas e outras reivindicações marcaram a 1ª. CONFECOM – Conferência

Brasileira de Comunicação, realizada no mês de dezembro de 2009, em Brasília, cujo

tema foi: “Comunicação: meios para a construção de direitos e de cidadania na era

digital”. Durante os trabalhos conjuntos, jornalistas, radialistas e professores,

representantes de meios de comunicação comunitários, educativos e comerciais9 de todo

o país, entre inúmeras propostas e polêmicas, debateram a criação de Conselhos de

Comunicação Estaduais, com poder de fiscalizar o funcionamento das mídias; a

7 Id. p. 59.

8 Lei 9.612/98, complementada pelo Decreto n. 2615/98.

9 Grande parte dos empresários da comunicação detentores de importantes redes midiáticas preferiu se

ausentar da Conferência, divulgando sistematicamente a informação de que as iniciativas dos grupos

políticos e da sociedade civil que se mobilizaram para que ela acontecesse visam, sobretudo, uma volta à

censura, um cerceamento à liberdade de expressão.

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alteração dos critérios e responsabilidades pelas concessões de canais, um novo marco

regulatório, bem como questões relativas à qualidade do que é divulgado pelas mídias.

Tudo isso nos faz lembrar que, apesar de ancião, o rádio nunca perdeu a vitalidade

ou a capacidade de rejuvenescer seus ideais ao longo dos anos. Além de registrar nos

primórdios de sua história inúmeras experiências educativas de sucesso10, hoje conta

com um grande número de atores sociais que estão mostrando a viabilidade de uma

comunicação dialógica e inclusiva que estabelece vínculos intrínsecos com

comunidades e culturas locais.

As mulheres têm feito parte desta luta e, com o poder de suas vozes, vão tomando

iniciativas “no sentido de afirmar o papel da comunicação de gênero para a

consolidação de uma comunicação democrática entre pessoas”, como registra o Cemina

- Centro de Estudos e Projetos da Mulher11. A ONG, criada em 1988, articulou a Rede

de Mulheres no Rádio, hoje Rede de Mulheres em Comunicação, que reúne

comunicadoras de todo o país.

A AMARC - Associação Mundial de Rádios Comunitárias, com representação no

Brasil desde 1995, e que conta atualmente com 51 associadas locais, entre emissoras

comunitárias, produtoras de rádio, redes e pessoas físicas, seguindo os passos dos

movimentos de países latino-americanos vizinhos, onde se faz presente, reestruturou sua

Rede de Mulheres, inaugurando o “Programa de Gênero”12, cuja proposta é promover a

discussão das rádios comunitárias com perspectiva de gênero, apoiando o trabalho das

mulheres principalmente através da formação e da troca de informações e experiências

entre radialistas associadas13.

10 Entre elas, as iniciativas apontadas por Zeneida Assumpção (1999, p. 32-3) como a da Rádio

Educadora Paulista, de 1924; a Rádio Educativa da CBR – Confederação Brasileira de Radiodifusão, de

1933; e por Moreira (1991, p. 17), ainda nos anos 1930, da Rádio Sociedade e da Rádio Escola Municipal

do Distrito Federal, experiência de educação à distância realizada pelo educador Anísio Teixeira.

11 CEMINA – Comunicação, Educação, Informação em Gênero. Fazendo Gênero no Rádio, 1998, p. 9.

12 As reivindicações da Rede de Mulheres da AMARC-Brasil foram reunidas na Plataforma das Mulheres

para a Ia. CONFECOM, em maio de 2009.

13 A AMARC – Associação Mundial de Rádio Comunitária e a ALER – Associação Latino americana de

Educação Radiofônica podem ser consideradas as duas entidades internacionais mais significativas de

apoio às rádios comunitárias no continente.

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Assim, por meio do rádio foram sendo reveladas muitas vozes femininas fora do

eixo sul-sudeste, como estas que mostramos neste artigo.

2. A comunicação a serviço da igualdade de gênero

Em 1993, Divina Jordão e Geralda Ferraz - comunicadoras e educadoras -

uniram seus ideais para lançar o programa Palavra de Mulher, na Rádio Difusora AM

640 de Goiânia14, que contou com o apoio da Pastoral da Mulher. O objetivo era dar

visibilidade às ações dos movimentos de mulheres e contribuir para esclarecer a

população sobre os direitos humanos e femininos. Como a rádio é ouvida em mais de

200 municípios goianos, as produtoras tiveram a possibilidade de divulgar amplamente

seu trabalho.

Desde então, as ações comunicativas propostas priorizam a questão social mais

relevante, que é a causa das mulheres. Assim são abordados assuntos aprofundando a

temática de gênero, envolvendo a população historicamente marginalizada,

principalmente da periferia. “Eles nunca se esgotam e nem ficam na superficialidade

[conta Geralda], são discutidos de forma responsável e crítica, com o caráter de

informar e também de conscientizar nossas ouvintes”. O programa - acrescenta a

radialista - “é um espaço que precisamos o tempo todo ocupar, reafirmando nossas

convicções e posições ideológicas”. Para as produtoras, o importante é trazer ao debate

temas fundamentais que não são explorados pela mídia comercial – e aos quais as

ouvintes não têm acesso cotidiano, tais como: saúde, educação, comportamento,

cidadania, direitos da mulher, violência, arte etc. e que são apresentados com um olhar

crítico e esclarecedor. Alguns desses temas “estão sendo paulatinamente incorporados

ao mundo da política, [lembra o coletivo de mulheres da AMARC]15, assumidos como

objeto de debate público.

A perseverança e o compromisso com as mulheres fizeram com que o Palavra

de Mulher ganhasse credibilidade e tivesse efeito multiplicador. Em 2002, as

comunicadoras colaboraram com o Conselho Estadual da Mulher em outra produção

14 Hoje, o programa é apresentado todos os sábados ao meio-dia, com uma hora de duração.

15 AMARC ALC y ALER. Cambio Social y cambio cultural. La vinculación de lãs Mujeres y La Política.

Gritos em El coro de señoritas, AMARC ALC y ALER, Buenos Aires, 2008, p. 10.

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radiofônica e, após vencerem um concurso de inclusão digital, cujo prêmio foi um

computador e a capacitação em edição de áudio, iniciaram uma parceria com a Rádio

Universitária de Goiânia, lançando outro programa de gênero, o Voz da Mulher16,

apresentado por Divina Jordão e Ivone Cunha.

Segundo Roldão17 “as emissoras universitárias constituem parcela significativa

(cerca de 40%) da rede de radiodifusão educativa em nosso país”, o que é mais um

motivo para se resgatar e fortalecer a vocação primeira do rádio brasileiro.

Os trabalhos das mulheres goianas permitiram outras inserções em projetos na

área da Educação. Divina Jordão, por exemplo, contribuiu na criação da rádio-escola

Milênio, revolucionando o projeto pedagógico do Colégio Estadual Jardim Balneário

Meia Ponte e Geralda Ferraz iniciou outro projeto de rádio escolar na Escola de Ensino

Fundamental Orientar Centro Educacional. Em ambas as escolas as rádios também

priorizam a abordagem de gênero, no sentido da superação do preconceito com os

meninos.

A perspectiva de que o protagonismo da juventude nas rádios escolares nascentes em

vários cantos do Brasil venha apontar para uma nova cultura da participação nos meios de

comunicação a partir da escola - que ainda é o lugar ideal para se praticar inclusões - tem sido

apontada como uma alternativa promissora em vários estudos. Ao abordar a prática radiofônica

por adolescentes no meio educativo, Amarante18 salienta que muitas meninas que atuaram nas

rádios escolares se aproximaram do veículo por simples prazer, sem ter noção do que vem a ser

"uma questão de gênero". Nota-se, assim, que os debates sobre gênero no meio educativo ainda

são tímidos e necessitam de estímulo para se ampliar e se tornar mais corriqueiros.

Porém ao perder o medo de se expressar, as meninas - lembra Mata19 - vão "se

descobrindo enquanto agentes de transformação social, não esperando que outros tomem a

16 O novo programa vai ao ar todas as segundas-feiras das 11:30 às 12 horas.

17 ROLDÃO, Ivete Cardoso do Carmo. A função do rádio educativo no Brasil, 2008, p. 182-3. A autora

salienta (p. 179) que um dos objetivos da comunicação educativa, ao qual se refere o Artigo 1º. da

Portaria Interministerial n. 651, de 15 de abril de 1999, é atuar junto ao sistema de ensino de qualquer

nível ou modalidade.

18 AMARANTE, Maria Inês. Medo de Ginecologista: saúde, gênero e dramaturgia da adolescente na

rádio comunitária da escola, 2004. Site de busca:

http://www.comunicasaude.com.br/revista/01/artigos/artigo10.asp

19 MATA, Maria Cristina (coordenadora). Mulher e rádio popular, 1998, p. 13.

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palavra em seu lugar". Esse exercício da palavra própria representa uma construção cultural da

identidade de gênero no espaço público, operando transformações. A primeira delas advém do

poder da linguagem.

Os programas Palavra de Mulher e Voz da Mulher se tornaram uma referência

nas discussões de gênero e a equipe viu a necessidade de ampliar suas ações. Assim, em

2004, fundaram a Associação Mulheres na Comunicação, para efetivar projetos de

capacitação nas temáticas trabalhadas com multiplicadores que atuam em várias esferas

dos movimentos sociais. A entidade estabeleceu novas parcerias, entre elas com o

Centro Livre de Artes, que tem na artista plástica Ivone Cunha uma aliada na

apresentação do Voz da Mulher, além de patrocinadores como a escola Orientar Centro

Educacional, o CESEG e o Grupo de Mulheres Negras Dandaras do Cerrado. Além

disso, incorporou às suas ações o apoio a estudantes e mulheres da comunidade no

sentido de capacitá-los para uma atuação no movimento de mulheres, ganhando as

adesões de uma jornalista, Denise Rodrigues, de Bruna Porto e da teóloga Aparecida

Damascena. A história de todas estas mulheres tornou-se a própria história dos

programas radiofônicos que já ganharam o reconhecimento da sociedade.

Com muito esforço elas superam dificuldades financeiras para garantir seus

espaços nas rádios e o compromisso assumido de divulgar, entre tantos assuntos, as

histórias de vida de mulheres anônimas, aumentando sua auto-estima. A participação

nas duas redes de mulheres – e a criação de um blog interativo - tem servido para

enriquecer os conteúdos e abrir mais um canal de escuta às ouvintes e participantes.

A exemplo do que ocorria em outras regiões do país e da América Latina desde

os anos 1970, o interior do Ceará viu nascer sistemas de comunicação por meio de altofalantes,

cuja finalidade era produzir informações e conhecimentos que interessassem

efetivamente às comunidades, retratando a realidade local. Estas "radiadoras" foram

muito comuns antes do aparecimento da televisão, e meio de difusão que transmitia

apenas músicas e informações de utilidade pública.

O analfabetismo e a "evasão" escolar, bem como a falta de uma política mais

abrangente do Estado para a educação, levou muitas associações de moradores a

comunicar-se mediante os recursos da cultura oral, e o rádio sempre foi o meio mais

próximo da oralidade.

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De um modo geral, essas rádios cumpriram mais eficientemente a missão de

levar adiante sua ação social e de educação não-formal em localidades distantes. Com a

ajuda principalmente das CEBs, Comunidades Eclesiais de Base e de Pastorais, lembra

Amarante20, estas experiências de comunicação comunitária sonharam em se tornar

verdadeiros centros de produção de informação e de referência cultural, o que

contribuiu para a conscientização das comunidades e o resgate de seus valores originais.

Contudo, a concentração da mídia nas mãos de poucos também ali faz história.

Em 1998, o Jornal O Povo registrava que das 84 emissoras de rádios FM ditas

“comunitárias”, existentes no interior do Estado, 45% eram apontadas como sendo de

políticos no exercício do poder, formando até mesmo duas redes21. Estes dados ilustram

o peso desigual no tocante à distribuição de canais alternativos de comunicação no

Ceará, onde impera a influência política, econômica e familiar do Grupo Edson

Queiroz22, colocado entre os oito maiores conglomerados empresariais de mídia do

nordeste.

No interior do Ceará, nos anos 1990, o movimento comunitário idealizou várias

rádios comunitárias de baixa potência, incentivado pelas mobilizações nacionais. Uma

delas foi a Rádio Independência, na cidade do mesmo nome, fundada em 1996 pela

ACORDI – Associação Comunitária de Radiodifusão Independência, pouco antes de ser

votada a lei 9.612/98 que legalizou o serviço de radiodifusão comunitária.

Em 1997, a entidade se juntou a sete outras associações municipais para iniciar a

transmissão experimental da Rádio FM Comunitária Independência, na freqüência

104.9 do dial. No entanto, os voluntários tiveram que superar inúmeros obstáculos para

levar adiante seus ideais de “democratizar a informação, divulgar as iniciativas

populares da comunicação a serviço da vida e de uma sociedade justa e fraterna”, como

explica Rosa Gonçalves. Inicialmente, houve o processo de capacitação dos

20 AMARANTE, Maria Inês. Rádio comunitária na escola: protagonismo adolescente e dramaturgia na

comunicação educativa, 2004, p. 43.

21 Rede Cearense de Notícias e Rede Metropolitana de Rádio.

22 O ex-Deputado Federal Edson Queiroz, relator do projeto de lei de regulamentação das rádios

comunitárias em 1997, é cunhado do ex-Governador Tasso Jereissati, Senador da República em final de

mandato, sendo que ambos são sócios proprietários dos dois únicos jornais com circulação diária em

Fortaleza, o Diário do Nordeste e o Jornal O POVO.

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comunicadores que queriam atuar na rádio. Em seguida, começou a luta pela legalização

junto ao Ministério da Comunicação e à ANATEL. Mesmo após a solicitação da

outorga, os responsáveis pela rádio receberam ameaças de fechamento da Polícia

Federal, enviada pela agência, fato que se consolidou de 17 de setembro de 2002 até 22

de maio de 2004, quando a rádio foi silenciada. Porém em agosto de 2004 voltou a

funcionar com uma autorização provisória e, finalmente, em dezembro de 2005, recebeu

uma licença de funcionamento por 10 anos.

Durante todo esse tempo, o projeto popular teve o apoio da comunidade, de

igrejas e outras entidades, além de contar com a força das mulheres que sempre foram

majoritárias no movimento, constituindo 68% das vozes na grade de programação e no

quadro de sócias colaboradoras. O medo, a burocracia, as dificuldades materiais, a

manutenção dos equipamentos, comprados com as contribuições vindas da comunidade,

foram superados com a união de todos. A rádio conseguiu garantir o seu funcionamento

primando pela qualidade musical, oferecendo um bom acervo. Os equipamentos básicos

permitem atender a demanda dos ouvintes, apesar dos apoios culturais permitidos pela

legislação vigente serem pouco representativos face ao montante de despesas cotidianas.

Mesmo diante de repressões e dificuldades, a rádio sempre manteve os

princípios que norteiam a mídia comunitária. Segundo Peruzzo23, eles são “a produção

popular; a participação dos cidadãos; interatividade com os receptores/produtores;

gestão participativa; autonomia político-religiosa; não comercial; segmentada; de

utilidade pública; democrática e cidadã e que ela atende aos interesses comunitários”. A

autora aponta igualmente para24 “o pluralismo, a sintonia com as especificidades de

cada realidade (...) e participação ativa de entidades não-governamentais e sem fins

lucrativos”.

A equipe de produção estabeleceu um objetivo comum: a divulgação das

informações locais, das iniciativas das comunidades e entidades, a valorização da

cultura popular e a escuta permanente dos moradores. Além disso, tem contribuído para

profissionalizar jovens desempregados em situação de risco e divulgar ações cidadãs.

23 PERUZZO, Cicilia Maria Krohling. Mídia Comunitária, 1998, p. 152.

24 Id., p. 143.

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Através de uma grade de programação variada, ela oferece a todos muita reflexão sobre

a dinâmica comunitária.

Encontra-se registrado na história da Rádio FM Comunitária Independência que

todos os que aderiram ao projeto:

Sentem-se irmanados com tanta gente boa que tem dado a vida para construir uma

sociedade democrática de fato, que procura contar com a participação de seus

membros de forma qualificada, a partir da informação e da consciência cidadã.

Ao longo desses treze anos de existência, o acompanhamento do processo

avaliativo e formativo pela AMARC-Brasil, em parceria com a ALER, através do

programa Ritmo Sul25 ajudou a rádio a repensar sua gestão na atual conjuntura.

A partir de 2009, quando as mulheres assumiram a direção da ACORDI,

representando 50% de seu quadro - composto por 12 membros -, sentiram a necessidade

de fortalecer os debates sobre gênero, combatendo o machismo no rádio e garantindo

conteúdos não discriminatórios em sua programação em relação a gênero, etnia ou

orientação sexual. Uma das primeiras iniciativas foi a criação de um programa feminino

que, além das mulheres da rádio, envolveu o coletivo de mulheres do Sindicato dos

Trabalhadores Rurais de Independência, as animadoras das CEBs26 dos bairros e

educadoras das escolas, totalizando 30 participantes. Entre rodas de conversa com

trabalhadoras do campo, partilhas de vivências e dotes culinários, abriram discussões

sobre o desemprego, a violência doméstica, a sobrecarga de tarefas do lar, alternativas

econômicas solidárias e os fatores de desestruturação familiar que nortearam a criação

do programa Vida de Mulher, lançado em junho do mesmo ano27. O nome foi escolhido

pela própria comunidade, através de cartas, e-mails e telefonemas. Os homens também

participaram enviando sugestões.

25 O Projeto Ritmo Sur, bem como estudos e pesquisas significativos em parceria com universidades

constituem iniciativas conjuntas da ALER e da AMARC que merecem destaque. O Ritmo Sur, realizado

na América do Sul e México, tem como objetivo fortalecer as rádios populares e comunitárias através da

formação, centros de comunicação e instâncias de coordenação regionais e nacionais para a consolidação

das redes, voltadas à sustentação institucional, social e econômica.

26 As CEBs – Comunidades Eclesiais de Base ainda têm muita força no interior do Ceará, oferecendo

apoio a várias atividades comunitárias, inclusive as iniciativas em comunicação popular.

27 O Vida de Mulher vai ao ar aos sábados, das 11 horas ao meio-dia.

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Gostaríamos de destacar que, na idealização de sua programação inicial, em

1998, a Rádio Comunitária Mandacarú FM, do Bairro Ellery de Fortaleza, hoje

funcionando apenas como web rádio devido à repressão sofrida na época, lançou um

programa no formato de rádio-revista com o mesmo nome28. Por iniciativa de uma

equipe de mulheres que reuniu comunicadoras da ARCOS-CEPOCA – Associação das

Rádios Comunitárias de Fortaleza, a autora deste trabalho, operárias das fábricas de

beneficiamento de castanhas e militantes sindicais, ele atendeu à necessidade de abordar

temáticas de gênero, segundo Amarante29. As sete mulheres reunidas em torno do

programa Vida de Mulher garantiram durante vários meses esta produção.

Embora fazendo uso de uma tecnologia mais avançada, o Vida de Mulher criado

pela FM Comunitária Independência partilha dos mesmos ideais da equipe de

Fortaleza: contribuir para o crescimento pessoal das mulheres do município. Através de

uma metodologia participativa, que inclui entrevistas, debates, rodas de conversa,

informações locais e nacionais - que também são veiculadas pela Internet -, com espaço

para agenda cultural e participação de ONGs e entrevistadas, o programa ajuda as

ouvintes a pensar e a refletir sobre vida, cidadania e direitos.

Segundo Rosa Gonçalves, uma das produtoras, os desafios ainda são numerosos:

o poder masculino inibe a participação de muitas mulheres, que não se sentem capazes

de ocupar o lugar de protagonistas no meio de comunicação. Faltam também recursos

para mobilização, organização de novas capacitações e difusão cultural. Mesmo assim,

as comunicadoras seguem motivando as mulheres a se envolver com as atividades

artísticas, de confraternização e lazer tendo a rádio como ponto de referência. Num

processo participativo e organizado, comunicadoras, produtoras, mixadoras,

colaboradoras nos eventos sociais, amigas da rádio, todas são estimuladas a se juntar

para contribuir no crescimento de seu meio de comunicação, desenvolvendo a própria

capacidade. Uma das voluntárias relata que este trabalho traz “uma felicidade enorme e

28 A iniciativa mereceu destaque no Jornal O POVO, de 13 de dezembro de 1998, que publicou um artigo

de Ana Naddaf: “Atenção! Mulheres no Ar”.

29 AMARANTE, Maria Inês. Rádio comunitária na escola: protagonismo adolescente e dramaturgia na

comunicação educativa, 2004, p. 51.

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isso faz com que a cada dia a gente trabalhe com mais garra, força, vontade e esperança

de dias melhores”. Rosa Gonçalves30 reforça a idéia de que:

As relações de gênero envolvem todas as classes e questões sociais e a luta pela

igualdade entre homens e mulheres é árdua. Quando começamos a discutir,

levantar questões, propor o estabelecimento de novas formas dessas relações, como

condição imprescindível para que a justiça e a igualdade de fato se realize na

prática, percebemos que se torna difícil também dentro da comunicação, pois

encontramos barreiras do machismo que impera – e que às vezes são

determinantes. [Alterá-lo] só é possível quando as mulheres ocuparem esses

espaços e utilizar o instrumento da voz para denunciar essas formas de opressão e

anunciar e profetizar o novo, não só no discurso, mas na prática, afirmar direitos

por uma cidadania em bases igualitárias, por outra ordem social e política. Cada

vez mais ela está se tornando uma referência de compromisso com a transformação

social. Essa integração que as mulheres estão criando entre comunicação e

sociedade (...) vai fazendo com que a sociedade perceba a importância fundamental

de uma comunicação que reflete a dinâmica dos acontecimentos voltada para a

realidade em que vivemos.

Mesmo diante das dificuldades como cuidar da casa, dos filhos, trabalhar em

tempo integral, elas continuam realizando um programa bem planejado e se sentem

responsáveis pelo processo de construção da rádio comunitária, onde há troca e

aprendizado. O desejo de seguir adiante se afirma no programa que é visto como um

instrumento de luta por uma política de igualdade de gênero e de conscientização e

valorização das mulheres e das populações:

Queremos no rádio ter um olhar, um pensar e um agir diferenciado da grande mídia

brasileira onde as diferenças sociais representadas entre mulheres e homens são

grandes. As mulheres são expostas à representação de modelos, objeto de

publicidade e os homens considerados mais capacitados que elas, além de

possuírem mais direitos. Queremos dizer que somos importantes, tanto quanto os

homens; queremos somar, construir através da comunicação uma sociedade justa e

igualitária.

Apesar de um futuro incerto no tocante à função e ao uso democrático da mídia,

principalmente do rádio, temos que considerar a existência de um novo fluxo de

interatividade (ou da possibilidade de comunicação dos receptores com os meios), que

altera a participação social dos cidadãos, permitindo interações culturais de forma

inusitada. Assim, uma cultura regional terá maior poder de expressão rompendo a

30 GONÇALVES, Rosa. Relatório, 2010.

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hegemonia imposta pela indústria cultural, podendo propor alternativas capazes de

intervir no processo de produção massificada.

Na 10ª. Conferência Mundial de Rádios Comunitárias da AMARC (AMARC-

10), que acaba de acontecer na cidade de La Plata, na Argentina, reunindo

comunicadores dos cinco continentes, as mulheres anunciam muitas mudanças nos anos

vindouros: a chilena Maria Pia Marta acaba de ser eleita Presidente da AMARC

Internacional. Presente neste encontro, a radialista Denise Viola, da Rede de Mulheres

da AMARC-Brasil, que atuou junto ao CEMINA dando voz ao programa Fala Mulher31

deixou uma “imagem sonora” para se despedir. Ela comparou a sociedade a uma ave.

Cada asa do animal representaria um gênero: “Hoje essa ave está capenga, a asa

masculina pesa mais. Nossa sociedade precisa das duas asas em equilíbrio para voar,

para ser realmente livre”.

Se apesar das desigualdades as mulheres já conquistaram vias próprias de acesso

protagonizando tantos projetos nos meios de comunicação, ao ocuparem o poder elas,

certamente, vão multiplicar este trabalho educativo, criativo e questionador para

impulsionar a evolução feminina.

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2008.

ASSUMPÇÃO, Zeneida Alves. Radioescola: uma proposta para o ensino de

primeiro grau. São Paulo: AnnaBlume, 1999.

31 O programa Fala Mulher, transmitido também pela Internet, divulgou nacionalmente inúmeras

campanhas sobre a saúde e os direitos da mulher, pela Rede de Mulheres no Rádio, nos meios de

comunicação de que participam de 1988 a 2004. A produção de 16 anos possibilitou a realização do

maior arquivo sonoro nacional sobre temas relacionados à mulher: www.radiofalamulher.com.

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Sites consultados:

www.mulheresnacomunicacao.blogspot.com

http://brasil.amarc.org

http://www.aler.org/index.php

http://www.cemina.org.br

fevereiro 28, 2014

No programa deste sábado, 1º.03, o programa Palavra de Mulher entrevista a banda goiana "Boogarins"

Vamos conversar com Benke Ferraz e Dinho Almeida. Eles falam sobre o surgimento da banda, como vivem, o que curtem e sobre a turnê internacional que farão nos meses de março e abril. Prestigiem!

fevereiro 16, 2014

Programa Palavra de Mulher fala sobre painel que discutiu o tráfico de pessoas e a violência contra a mulheres

O programa Palavra de Mulher - Rádio Difusora de Goiânia- 640AM, entrevistou a doutora em comunicação Vera Vieira, da Associação Mulheres pela Paz e Sônia Cleide, do grupo de mulheres negras Malunga de Goiânia. Elas falaram sobre a organização do painel: Mulheres e Homens trabalhando pela paz e contra o tráfico de mulheres e a violência sexual, que aconteceu no dia 11/02, no auditório da PUC.

Ouça aqui trecho da entrevista:  com Vera Vieira e Sônia Cleide

Programa Palavra de Mulher fala sobre Redes Sociais com Sandro Galazi

O Curso de Verão realizado em Goiânia, no mês de janeiro, teve como um dos coordenadores, o teólogo Sandro Gallazzi, ele conversou conosco sobre Redes Sociais e Evangelização.
Entrevista com Sandro Gallazzi